Ninguém quis mercado, e 1ª privatização tucana é adiada de novo em SP

Revés no mercado de Santo Amaro ocorre após travarem concessões de Pacaembu e Ibirapuera

Thiago Amâncio – Folha de São Paulo

Nenhuma empresa se interessou em administrar o mercado de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, no que seria a primeira concessão a se efetivar no pacote de desestatizações da gestão do PSDB na prefeitura da capital paulista.

A gestão Bruno Covas contava com a desestatização como a primeira do grande pacote anunciado pela gestão tucana, iniciada por João Doria, que é candidato ao governo do estado e esperava concluir alguma concessão sobre a qual poderia capitalizar durante sua campanha.

O prazo para entrega de propostas para o mercado se encerrou às 11h05 desta terça-feira (11), com cinco minutos de tolerância, mas a Prefeitura de São Paulo não recebeu nenhuma oferta. “Apesar de o edital ter atraído o interesse do mercado privado, as incertezas geradas levaram diversos grupos a pedir o adiamento dos prazos e a revisão de pontos do projeto”, diz a prefeitura, em nota.

A gestão se refere a dois reveses já sofridos pela administração tucana: em julho, o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), interrompeu o processo de concessão do parque Ibirapuera ao proibir que a prefeitura incluísse no pacote uma área que é de posse do estado. No mês passado, o Tribunal de Contas do Município suspendeu a concessão do Pacaembu um dia antes que a prefeitura anunciasse o vencedor, entre quatro empresas que apresentaram propostas.

Sobre o caso do Pacaembu, a suspensão foi mais um episódio na relação tensa que a prefeitura e o TCM têm mantido desde o início da passagem de Doria pela gestão municipal. O projeto de concessão dos cemitérios foi barrado por sete meses, em sua fase inicial, entre 2017 e 2018. A privatização do Anhembi e o projeto de revitalização de pontes das marginais também foram alvos de questionamentos dos conselheiros do órgão.

“[No caso do mercado de Santo Amaro,] mesmo diante dessas manifestações [de insegurança da iniciativa privada], buscando defender os interesses da sociedade paulistana e em respeito ao processo já construído, a Administração Municipal optou por manter a data do certame. De toda forma, agora o edital será revisto e republicado em breve, sendo que a sessão de entrega de propostas será remarcada para data posterior ao período eleitoral”, afirma a prefeitura.

O programa de privatizações é central na agenda tucana. A prefeitura planejava assinar o contrato já em 5 de junho, mas, segundo a gestão, o processo foi adiado para ouvir possíveis proponentes.

A concorrência seria vencida por quem oferecer a maior outorga fixa anual. O valor mínimo determinado foi de R$ 458 mil por ano —ou seja, R$ 11,5 milhões no período completo do contrato.

O mercado municipal ficaria por 25 anos nas mãos da empresa vencedora. A principal incumbência por parte da iniciativa privada seria a reforma do mercado, que teve metade de suas lojas consumidas por um incêndio em setembro de 2017. Atualmente, os lojistas trabalham em uma tenda que foi improvisada pela prefeitura.

Presidente da associação de permissionários do mercado, Fatima Habimorad, diz que o movimento despencou desde então. “É um mercado que estava indo bem, agora estamos sem hortifruti, sem restaurantes. E o que a gente paga de aluguel não voltava para o mercado. O certo mesmo seria a própria prefeitura reformar, para agilizar”, afirma ela, que administra um açougue fundado por seu pai há 60 anos.

Nos dois primeiros anos de contrato os comerciantes continuariam pagando os valores atuais de taxas (R$ 17 por m² por mês, além de gastos com água e luz). Depois, esse preço seria equiparado aos cobrados em média na região.

A Folha falou com gestores de três empresas que demonstraram interesse em participar da concorrência, mas não apresentaram propostas ao final do prazo. Sofia Avny, sócia-proprietária do Nacional  Shopping, disse que os entraves às outras concessões da prefeitura não foram relevantes: “Mercado é um produto totalmente diferente, é um produto comercial”, afirma ela, que diz que espera “mais detalhamento” no próximo edital lançado pela gestão.

Para Eduardo Gomes, sócio-diretor do Grupo Ultra, da forma como estava proposto no edital, o projeto não era viável economicamente. “Teríamos uma taxa de retorno de 9,5% ao ano, se bem equacionado. Num país com alta taxa de risco como o nosso,  não vale a pena,  afasta investidores”, afirma ele, que cita, entre os principais motivos que o levaram à desistência, a proibição de levar franquias e marcas conhecidas para dentro do mercado, que deveria ter só operadores locais.

Elias Tergilene, presidente da Fundação Doimo, administradora do Grupo UAI, que toca a Feira da Madrugada, afirma que a empresa é uma incubadora de projetos de empreendedorismo social e que só entraria na concorrência se houvesse uma gestão compartilhada com os permissionários, que não toparam, diz ele. “A gente se interessa em todo equipamento público que tenha o empreendedorismo na base da pirâmide, shopping popular, mercado etc. Nós temos interesse de que o mercado seja um equipamento social. Se não for isso, não interessa concorrer”, afirma.

A história do mercado de Santo Amaro passa dos cem anos. Desde o final do século 19, a região era alvo do cultivo de cereais e fornecimento de madeira e carvão. Tropeiros trocavam ali manufaturas por produtos agrícolas.

Em 1897, após anos de funcionamento de um mercado provisório, foi inaugurado um edifício permanente na praça Francisco Ferreira Lopes. O prédio, tombado em 1972, funcionou como mercado até 1958. Atualmente, abriga a casa de cultura da região.

A poucas quadras dali foi inaugurada em 1958 a nova sede do mercado, que sofreu o incêndio no ano passado.